"Caminhando e cantando"
Você gosta de um sofá. Gosta, não. Adora. Pés em cima da mesinha de centro, controle remoto numa mão e uma coca-cola na outra: se pedissem pra você posar para uma escultura, era essa a imagem que você gostaria de perpetuar para a eternidade. Um homem atiradaço. Usufruindo o relaxamento disso que os outros chamam, fazendo cara de nojo, de vida sedentária.
O sedentarismo tem suas delícias, porém, elas acomodam-se bem na região do abdômen e dali não saem, dali ninguém as tira. É? Você está se lixando. Aos sábados de manhã, espia pela janela aquele bando caminhando pra cima e pra baixo com um head-phone no ouvido e não entende como eles têm disposição para marchar em direção ao nada. Você ao menos tem um rumo: vai até a geladeira, até o banheiro, até a garagem: ida-e-volta. Mas caminhar sem ter pra onde ir? Erro de avaliação. Todas as pessoas que caminham sabem onde querem chegar. Alguns caminham para atingir o peso ideal, outros para desobstruir as artérias. Alguns levam o cachorro pra passear, outros levam o cérebro para tomar a fresca. Pensar ao ar livre é diferente de pensar na frente da tevê, faça o teste. Alguns caminham para enrijecer os músculos das pernas, alguns caminham para estrear os tênis novos, ou a namorada zero km. Caminhamos para respirar melhor, para suar, para empapar a camiseta. É o inverso da vaidade: quanto mais demolidos, maior a auto-estima. Caminhamos para encontrar as árvores, reparar nas varandas dos vizinhos, olhar para o céu, lamentar os prédios pichados, descobrir uma confeitaria até então despercebida, olhar as capas das revistas expostas na banca, admirar um muro coberto com hera, pensar na vida. Caminhamos desatinadamente por Nova York, Buenos Aires, Paris, atrás de vitrines e monumentos, museus e parques, cenários que possam ser fotografados e que contem a história da viagem: por que não caminhar pelas ruas estrangeiras da nossa própria cidade?
Caminhar não cansa, caminhar não custa, caminhar ventila por dentro. Alivia, emagrece, surpreende e ainda nos concede a honra de ouvir música ao mesmo tempo. Caminhar sozinho ou acompanhado, com trajeto definido ou labiríntico, com ou sem relógio, por esporte, recomendação médica ou peregrinação. Caminhar é meio que uma religião.
Está bem, diz o sedentário, vou pensar no caso, mas só depois que terminar o Faustão.
O sedentarismo tem suas delícias, porém, elas acomodam-se bem na região do abdômen e dali não saem, dali ninguém as tira. É? Você está se lixando. Aos sábados de manhã, espia pela janela aquele bando caminhando pra cima e pra baixo com um head-phone no ouvido e não entende como eles têm disposição para marchar em direção ao nada. Você ao menos tem um rumo: vai até a geladeira, até o banheiro, até a garagem: ida-e-volta. Mas caminhar sem ter pra onde ir? Erro de avaliação. Todas as pessoas que caminham sabem onde querem chegar. Alguns caminham para atingir o peso ideal, outros para desobstruir as artérias. Alguns levam o cachorro pra passear, outros levam o cérebro para tomar a fresca. Pensar ao ar livre é diferente de pensar na frente da tevê, faça o teste. Alguns caminham para enrijecer os músculos das pernas, alguns caminham para estrear os tênis novos, ou a namorada zero km. Caminhamos para respirar melhor, para suar, para empapar a camiseta. É o inverso da vaidade: quanto mais demolidos, maior a auto-estima. Caminhamos para encontrar as árvores, reparar nas varandas dos vizinhos, olhar para o céu, lamentar os prédios pichados, descobrir uma confeitaria até então despercebida, olhar as capas das revistas expostas na banca, admirar um muro coberto com hera, pensar na vida. Caminhamos desatinadamente por Nova York, Buenos Aires, Paris, atrás de vitrines e monumentos, museus e parques, cenários que possam ser fotografados e que contem a história da viagem: por que não caminhar pelas ruas estrangeiras da nossa própria cidade?
Caminhar não cansa, caminhar não custa, caminhar ventila por dentro. Alivia, emagrece, surpreende e ainda nos concede a honra de ouvir música ao mesmo tempo. Caminhar sozinho ou acompanhado, com trajeto definido ou labiríntico, com ou sem relógio, por esporte, recomendação médica ou peregrinação. Caminhar é meio que uma religião.
Está bem, diz o sedentário, vou pensar no caso, mas só depois que terminar o Faustão.
Livro Trem-Bala Junho de 1999 Martha Mdeiros
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